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Dave Douglas
Dizzy Atmosphere
CD Greanleaf 2020

 

 

Dizzy Gillespie é um ícone do Jazz bebop e é uma referência maior para qualquer trompetista do Jazz. Ele é um trompetista com uma personalidade demasiado forte para ser evocado de forma leviana, e muitos trompetistas tenderão a imitá-lo ou a rejeitá-lo.

Será um pouco a razão porque Dave Douglas sempre se esquivou a abordá-lo, e este disco é por essa razão também importante. Também por isso, e porque Dizzie Gillespie terá sido a primeira grande figura negra a candidatar-se à presidência dos Estados Unidos.

Dizzy Gillespie at Zero Gravity, apresentado no Lincoln Center em 2018 (e que incluía Ambrose Akinmusire, Bill Frisell, Gerald Clayton, Linda May Oh e Joey Baron) foi a primeira abordagem de Douglas ao universo Dizzy Gillespie, e este disco é um pouco a consequência do projecto.

Dessa formação Douglas apenas reteve a bateria de Joey Baron, mas tudo no Jazz está sempre a mudar, e o novo quinteto, onde predominam os jovens, é outra coisa. Mais juventude, de acordo com Douglas.

Apenas duas das composições de Dizzy Gillespie – o icónico “Manteca” e “Pickin’ The Cabbage”, são tocadas num disco que assume evocá-lo – Dizzy Atmosphere – e ainda assim, numa abordagem que contém tanto dele como da personalidade de um dos maiores trompetistas da actualidade. E Dizzy, o seu espírito, está sempre lá; tanto como Dave Douglas.

Dave Douglas é um líder por direito próprio e um pensador. Trompetista erudito, bebe muito da sua acutilância nas formas primevas do trompete Jazz (“Cadillac”, sobre o velho “Swing Low, Sweet Charriot”). É curioso que o outro sopro do sexteto seja um trompetista, o jovem Dave Adewumi que, sem o replicar, partilha da mesma abordagem rude do instrumento.

A outra estrela do grupo é Fabian Almazan, que tem direito a referência em “Com Almazan”, aqui também numa invocação – trocadilho do célebre “Com Alma” de Dizzy, mas que em alguns poucos minutos, melódico, fluente e iluminado, o pianista esclarece a razão da sua convocação.

Todos os músicos são chamados a intervir, Carmen Rothwell no contrabaixo, Matt Stevens na guitarra e o subtil Joey Baron na bateria (“Manteca!”), e poderíamos dizer de cada um deles o que sobre Almazan escrevi. Os solos, ou a forma como se ouvem, complementam e acrescentam.

Dave Douglas é um músico de estatura equivalente a Dizzy Gillespie, e a forma como homenageia Dizzy Gillespie, com engenho e humor, é inevitavelmente irreverente, sem reverência, como não podia ser de outra forma em Douglas.

A alegria de Dizzie Gillespie está lá, o seu humor, o seu bop enérgico e incisivo, mas não é um disco de bebop ou sequer de neobop. É Dave Douglas no seu melhor. Uma hora de Jazz que nos faz aguar, que nos faz querer mais e estar lá.

Dave Douglas (t)
Dave Adewumi (t)
Matt Stevens (g)
Fabian Almazan (p)
Carmen Rothwell (b)
Joey Baron (bat)

(Este texto foi escrito sobre um outro publicado no Jornal de Letras)